Cibercultura e Modos de Subjetivação



Chegamos ao último módulo do curso, com isso percebemos que as práticas interdisciplinares e interativas no ciberespaço promovem outros modos de subjetivação. Enfim, pertencemos a Cultura Digital.
Agradecemos a parceria de todos.


Cibercultura

Devemos nos questionar como as TIC na cibercultura estão promovendo, ou não, deslocamentos nos modos de ser, nas práticas sociais e nos processos educacionais, e, especificamente, em que nível estas mudanças atingem os processos de cognição e subjetivação contemporâneos.

Guattari (1992) também nos coloca de forma evidente que as TIC são uma mistura de enriquecimento e empobrecimento, singularização e massificação, desterritorialização e reterritorialização, potencialização e despotencialização de subjetividades. Devemos considerar de que maneira as TIC nos lançam a potencialidades como diferencial uma perspectiva humanista ou nos reduzem à sistemas fechados de conservação ou até mesmo de exclusão.

"Não somente as técnicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso intensivo de ferramentas que constitui a humanidade enquanto tal (junto com as linguagens e as instituições sociais complexas).” (Lévy, 1999)

De acordo com André Lemos, "O surgimento da cibercultura não é só fruto de um projeto ténico, mas de uma relação estreita com a sociedade e a cultura contemporânea"... "Podemos perceber que, em todos os lugares, a tecnologia mistura desejo de potência e medo de transgressão, utilidade e objetividade com despesa improdutiva (Bataille), racionalidade e imaginário, funcionalidade e estética. Essa configuração vai marcar a cibercultura" (Lemos, 2010, p. 26, 17).

“O homem é um ser técnico por definição…Como mostra Bernard Stiegler, “a tendência não vem simplesmente de uma força organizadora que seria o homem (…) ela opera por seleção de formas numa relação do ser vivo humano com a matéria que ele organiza e pela qual ele se organiza, onde nenhum dos termos desta relação tem o segredo do outro”. A técnica desempenha um papel fundamental na formação do homem” (Lemos, 2010, p. 29).

Ainda, Lúcia Santaella acrescenta que “não há uma dicotomia entre natureza e cultura, pois o homem e a sociedade se formam no processo de artificialização do mundo. Portanto, o processo de ciborgização atual nada mais é do que a continuação inelutável da saída do homem da natureza na construção de uma segunda ordem artificial” (Santaella, 2003, p. 218).

Gilbert Simondon resgata a relação homem e técnica, buscando a existência humana a partir da realidade técnica que circunda suas criações. A arte resgata as técnicas e tecnologias do seu contexto cultural a fim de transgredir sua finalidade e função inicial e promover outras formas de sentir e pensar. Pode-se dizer que o artista, mas não exclusivamente, entra na gênese dos objetos a fim de incorporá-los e reconfigurá-los com o seu fazer tecno-estético (Oliveira, 2010).

O natural e o artificial constituem a realidade na cultura técnica, ou seja, “é necessário que o objeto técnico seja conhecido em si mesmo para que a relação do homem com a máquina seja estável e válida: daí a necessidade de uma cultura técnica” (Simondon, 1989, p. 82).

Arlindo Machado nos coloca: “nenhuma leitura dos objetos culturais recentes ou antigos pode ser completa se não se considerar relevantes, em termos de resultados, a “lógica” intrínseca do material e os procedimentos técnicos que lhe dão forma” (Machado, 1996, p. 11).

Vilém Flusser constata um certo comportamento mágico programado que responde a uma programação já dada, sendo o desafio esgotar o próprio programa: “o homem que manipula não é trabalhador, mas jogador: não mais homo faber, mas homo ludens. E tal homem não brinca com seu brinquedo, mas contra ele. Procura esgotar-lhe o programa” (Flusser, 2002, p. 24).


Ciberespaço

De acordo com Reis (2010), ensinar, no ciberespaço, é uma prática social ainda em investigação; assim como outras práticas sociais e discursivas que também podem ser realizáveis nesse contexto, tais como: escrever textos em um blog ou escrever textos para uma página virtual ou ainda para ser publicado em uma revista virtual; ler diferentes gêneros textuais disponibilizados eletrônicamente (notícias, relatos de pesquisas e artigos de popularização da ciência, livros, receitas culinárias, etc.); participar de games online; realizar compras virtuais; interagir e trocar experiências em espaços virtuais e sociais de interação via Second Life, Twitter ou Facebook, por exemplo.

Roy Ascott (2002) nos apresenta a tecnoética como estética das mídias úmidas que une o seco da mídia e o molhado dos seres vivos. A necessidade de pensarmos um novo senso do self, como sendo um conjunto de selfs com sentido de interface, “somos todos interfaces”. As mentes flutuam agora livres no espaço telemático, transcendendo as limitações do nosso corpo. A tecnologia transpessoal é a tecnologia das redes, da hipermídia, do ciberespaço. Segundo o autor, estamos nos tornando ativamente envolvidos em nossa própria transformação (corpo e consciência).

Ascott fala sobre nossa faculdade de cibercepção pós-biológica. A percepção é uma sensação física interpretada à luz da experiência. É através da cibercepção que podemos apreender as forças e os campos invisíveis de nossas muitas naturezas, capacidade de estar fora do corpo, ou numa simbiose mental com os outros, uma nova compreensão do padrão (não linear, não finalidade, não categorias). Multiplicidade de pontos de vista, impermanência de toda percepção. Um meio ambiente inteligente que responde ao nosso olhar, que olha, ouve e reage a nós, na mesma medida em que o fazemos.

Para Piere Lévy há três princípios que orientam o crescimento do ciberespaço: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. “Não há comunidade virtual sem interconexão, não há inteligência coletiva em grande escala sem virtualização ou desterritorialização das comunidades no ciberespaço” (1999, p. 133).

Uma inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (Lévy, 2000, p. 28), tendo como objetivo o enriquecimento mútuo das pessoas em processos de ensino-aprendizagem.

Falamos em inteligência coletiva no sentido de uma educação colaborativa. "Ela tem a horizontalidade como prerrogativa viabilizando exercícios de cidadania na medida em que a produção do sujeito possa interferir na configuração coletiva do conhecimento. A educação para a participação, para a valorização e comprometimento com a instância coletiva vem a corporificar o conhecimento como rede que pode ser por um espaço público". (Kirst e Biazus, 2006, p. 54)

Não há como separar sujeito e maquina, uma vez que se produz um processo de subjetivação e cognição no qual se constituem simultaneamente sujeitos/maquinas a partir de agenciamentos sociais. Como André Parente nos diz: “as tecnologias novas ou velhas, são antes de mais nada, fruto dos desejos e aspirações sociais, são sintomas, muitas vezes inconscientes, das culturas que as produzem” (1999, p. 57).

Finalizando, neste curso buscamos questionar como o uso das tecnologias de informação e comunicação pode potencializar um olhar crítico e inovador em processos de ensino e aprendizagem, levando em consideração o conhecimento produzido na cibercultura. Busca-se investigar como produzir construções imagéticas digitais nas interpretações associativas entre as diversas linguagens: visual, verbal e sonora, bem como utilizar os ambientes de ensino-aprendizagem de modo interdisciplinar e interativo.

Referências

ASCOTT, Roy. A arquitetura da cibercepção. In: LEÃO, Lúcia (org.). Interlab Labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 336-344.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia.Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

GUATTARI, Félix. Caosmose. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

KIRST, Patrícia e BIAZUS, Maria Cristina. Educação Colaborativa: Fluxos e Redes. In: Informática na Educação: Teoria e Prática, Porto Alegre, vol.9, n.2, 2006.

LEMOS, André. Cibercultura:tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Editora Sulina, 2010.

LÉVY, P.  A inteligência coletiva. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed.34, 1999.

MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

OLIVEIRA, Andréia M. Corpos Associados: interatividade e tecnicidade nas paisagens da arte. Doctoral Thesis (Portuguese), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 2010. 

PARENTE, André. O virtual e o hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. 

REIS, S.C. Do discurso à prática: textualização de pesquisas sobre ensino de inglês mediado por computador, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2010.

RUDIGER, Francisco. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: Sulina, 2011.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura da mídia à cibercultura.São Paulo: Paulus, 2003.

SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objects techniques. Paris: Editions Aubier, 1989.



Última atualização: quarta, 15 mai 2013, 13:59